Têmpera do chocolate
O que é a têmpera e para que serve
Para trabalhar chocolate para decorações, ou bombons e obter bons resultados, não basta apenas derrete-lo, é necessário tempera-lo antes de usar. A têmpera é, depois de derretido o chocolate, a passagem do seu estado líquido para um estado sólido de uma forma estável. A função da têmpera é a de pré-cristalizar uma pequena percentagem da forma estável dos cristais da manteiga de cacau, para que o restante chocolate cristalize da mesma forma, resultando numa boa contracção, dureza, brilho e estabilidade. Tanto a quantidade como o tipo de cristais que se formam são factores importantes para uma têmpera correcta.
Têmpera
As técnicas de têmpera podem ser variadas mas na essência todas elas cumprem três requisitos: temperatura, agitação e tempo. Apesar da física da têmpera ser complicada a técnica em si é simples, podendo ser executada sem um conhecimento profundo da teoria, seguindo apenas algumas instruções, mas compreender a cristalização da manteiga de cacau vai sem dúvida originar um trabalho mais consistente e melhores resultados nos trabalhos em chocolate.
Poliformismo da manteiga de cacau
O Poliformismo da manteiga de cacau é a habilidade que esta tem de cristalizar em várias formas. A título de exemplo, podemos pensar no caso do carbono, que pode cristalizar em grafite, uma substância frágil e escura, ou num diamante uma substância brilhante, transparente e muito resistente. No caso da manteiga de cacau acontece algo semelhante se correctamente temperada fica dura, brilhante e estável, como o diamante, senão fica baça, mole e instável como a grafite. As formas dos cristais de manteiga são comummente conhecidas pelos seus símbolos gregos: Y, α, β´, β. No entanto, existem algumas discrepâncias nos nomes quando se usa esse sistema. Numa forma de facilitar a compreensão faremos uso de termos numéricos mais reconhecidos para referir as formas de cristais.
Das seis formas dos cristais de manteiga de cacau, apenas duas são consideradas estáveis, a forma VI e a V. Destas duas forma apenas a forma V se pode formar durante a têmpera. Todas as outras formas são instáveis. Cristais de manteiga instáveis são formas de cristais que se formam e derretem a baixas temperaturas, e que não se agrupam correctamente. Desta forma o chocolate não irá apresentar uma boa contracção, brilho e dureza, características de um chocolate bem temperado.
O objectivo é derreter todos os cristais de manteiga. Se não forem derretidos estes vão aumentar a viscosidade do chocolate. Na zona 2 o chocolate arrefece mas não se formam cristais. Na zona 3 os cristais estáveis começam a formar-se. Apesar de ser possível manter o chocolate nesta temperatura em agitação esperando que os cristais estáveis temperassem o chocolate, o tempo necessário seria proibitivo. Por isso mesmo passamos à zona 4. A esta temperatura formam-se tanto cristais estáveis como instáveis. A baixa temperatura permite a formação rápida de cristais para uma têmpera eficiente. O aquecimento que ocorre na zona 5 derrete os cristais instáveis deixando somente os estáveis. A zona 6 representa a temperatura à qual o chocolate negro é utilizado. Não só é importante levar o chocolate à zona 6, mas também mante-lo lá durante alguns minutos de modo espalhar os cristais estáveis e derreter todos cristais instáveis e assim conseguirmos um chocolate correctamente temperado. A curva de temperatura para o chocolate de leite e branco é idêntica mas com temperaturas correspondentes de aproximadamente 2-3ºC
Agitação
Outro factor primordial para têmpera é a agitação. Como quando se faz fondant, em que a solução de açúcar supersaturada é agitada, promovendo a formação de pequenos cristais, a têmpera de chocolate não é muito diferente, excepto que os cristais que se formam são de manteiga de cacau. Seja qual for a técnica aplicada a agitação têm o papel chave, como resultado da formação e distribuição dos cristais de manteiga que irão promover uma correcta pré-cristalização.
Tempo
O tempo é um factor muitas vezes negligenciado na têmpera. A função do tempo é que permite que os cristais de manteiga se formem. Estes não aparecem instantaneamente assim que que agitamos o chocolate à temperatura correcta, precisam de tempo. O tempo que o chocolate passa na temperatura correcta para a formação de cristais é conhecido por tempo de residência. Este varia com o tipo de produto (chocolate de leite e branco demoram mais do que o chocolate negro), quantidade de manteiga cacau, temperatura e a agitação. Quanto maior o tempo de residência mais cristais se vão formar. Se durante a têmpera levarmos o chocolate abaixo dos 29ºC e depois o aquecermos aos 32ºC o tempo de residência neste estado irá permitir não só os cristais estáveis espalharem-se, como desfazer os cristais instáveis.
Apesar de respeitarmos os factores, temperatura, agitação e tempo, o nosso sucesso só pode ser medido testando uma amostra. Para tal colocamos uma ínfima quantidade de chocolate na ponta de uma faca ou numa folha de papel. Se o chocolate estiver perfeitamente temperado, deve endurecer uniformemente após 3 minutos, a uma temperatura de 18ºC a 20ºC e apresentar-se brilhante. Se não for o caso, devemos repetir o processo de têmpera.
Sub cristalização e Sobre cristalização
Uma têmpera correcta depende não só do tipo mas também da quantidade de cristais de manteiga. Quando insuficientes, assim que o chocolate assentar vão criar bloom, quando em excesso irão aumentar a viscosidade do chocolate, dificultando o trabalho e produzindo resultados inferiores de brilho, contracção e dureza. Para corrigir este facto, devemos derreter parte dos cristais que se formaram, aumentando a temperatura do chocolate. Podemos acrescentar-lhe chocolate derretido ou aquecer um pouco mais o chocolate no microondas ou com o secador. Devemos proceder por etapas para que o chocolate recupere a sua fluidez inicial. Além disso, é aconselhável mexer regularmente o chocolate pois a cristalização ocorre sobretudo à superfície, em forma de crosta.
Como derreter o chocolate
O chocolate deve ser derretido a uma temperatura variável de 40ºC a 45ºC, o necessário para garantir a dissolução de todos os cristais de manteiga de cacau. Temperaturas superiores podem alterar as propriedades de cada ingrediente do chocolate e originar uma separação de fases acabando por estragar a matéria-prima. Devido à presença do leite em pó o chocolate branco e o de leite são mais sensíveis a temperaturas altas. A proteína láctea pode precipitar dando ao chocolate uma consistência pastosa e impossibilitando uma têmpera correcta. Além disso o chocolate pode perder parte do seu aroma, o aquecimento excessivo quebra as ligações químicas que mantêm os componentes aromáticos dissolvidos na manteiga de cacau, soltandoos. O chocolate não deve ser colocado em contacto directo com a fonte de calor, mas sim numa estufa, banho-maria ou o microondas, regulado de modo a atingir uma temperatura homogénea. No caso de um banho-maria é necessário ter cuidado com a água e o vapor que este liberta. Quando o chocolate entra em contacto com água “bloqueia”, ou seja o cacau com o seu elevado poder de absorção capta a água endurecendo o chocolate, criando uma pasta inviável à têmpera.
Técnicas de têmpera (Descrição para a têmpera de chocolate negro)
As diferenças entre temperar um chocolate negro e um de leite ou branco é que como estes últimos são mais sensíveis as temperaturas de trabalho tendem a ser 2-3ºC mais baixas, fora isso o processo é praticamente o mesmo. v
Pré-cristalização formando cristais estáveis (trabalhando numa mesa fria) Nesta técnica, após derretermos o chocolate, vamos verter numa bancada de granito 2/3 e manter 1/3 a 40-45ºC. Através da agitação contínua do chocolate, com o auxílio de espátulas, sobre o ponto frio, o chocolate vai baixar aos 28ºC e engrossar, formando cristais estáveis, mas também alguns cristais instáveis. De seguida misturamos o chocolate a 28ºC com aquele que mantivemos a 40-45ºC para obtermos uma temperatura ideal de 31-32ºC. Neste ponto é importante continuarmos a agitação e deixar passar algum tempo para permitir que os cristais instáveis que se formaram se desfaçam e que os cristais estáveis se espalhem por todo o chocolate.
Pré-cristalização adicionando cristais estáveis (através de callets ou Mycryo®) Nesta técnica, ao chocolate derretido a 40-45ºC vamos adicionar aproximadamente 20-25% de callets e agitar. Os callets, à medida que derretem, vão baixar a temperatura do chocolate e assegurar uma correcta dispersão de cristais estáveis para uma correcta pré-cristalização aos 31-32ºC.
Dentro desta técnica outra forma é adicionar os cristais estáveis através da Mycryo, manteiga de cacau em pó, obtida através de um processo de criogenização. Depois de derretido o chocolate, baixamos a temperatura até 34ºC e adicionamos 1% de Mycryo agitando até a temperatura chegar aos 31-32ºC.
Pré-cristalização mantendo os cristais estáveis Esta técnica é utilizada só com chocolate temperado, isto porque o objectivo é derreter o chocolate mas não os seus cristais estáveis, ou seja o chocolate não pode ir além dos 34ºC. Existem diversas formas de conseguir este resultado: Deixar o chocolate numa estufa de temperatura controlada ou numa temperadora de um dia para o outro; Colocar no micro ondas e ir mexendo em intervalos de 10-20s, quando quase todos os callets tiverem derretido, retirar do micro ondas e mexer até à temperatura de trabalho; Em banho-maria, processo igual ao anterior mas requer mais cuidados devido à água e ao facto de a taça aquecer mais do que no micro ondas;
Têmperadoras Dentro deste tipo de equipamentos existem diversos modelos: Temperadoras simples, que funcionam com um termóstato que mantem a temperatura do chocolate regulada; Temperadoras de roda, nas quais temos o chocolate derretido a 40-45ºC e adicionamos a percentagem necessária de callets, sendo que o processo de agitação é feito por uma roda automática ; Temperadoras automáticas, processo de têmpera totalmente realizado pela máquina que derrete o chocolate a 40-45ºC, faz passa-lo por um ponto frio que o baixa até aos 28ºC e depois o eleva à temperatura de trabalho ideal.
Conservação
O chocolate contém elevadas concentrações de açúcar que diminuem o Aw e impedem o desenvolvimento microbiano e a deterioração do chocolate. Daí a sua prolongada data de conservação. No entanto as más práticas na conservação podem fazer com que um chocolate se torne, menos agradável, pouco atraente, perdendo valor comercial. Assim como o chocolate que serve de matéria-prima, o produto acabado de chocolate é sensível à temperatura, aos cheiros e gostos desagradáveis, à luz e ao ar, à humidade e ao tempo. Aquando da conservação, poderão ocorrer os seguintes problemas típicos:
Fatbloom ou branqueamento de gorduras Este fenómeno é uma fina camada de cristais de gordura à superfície do chocolate. Este perderá o seu brilho e irá desenvolver uma camada branca. Esta camada dará uma aparência desagradável ao chocolate. Não se deve confundir este fenómeno com a formação de bolores. O fatbloom é a consequência de uma recristalização das gorduras e/ou migração de elementos gordos para a camada de chocolate, provocado pela oscilação da temperatura de conservação.
Sugarbloom ou branqueamento do açúcar O sugarbloom é, contrariamente ao fatbloom, uma camada rude e irregular à superfície do chocolate. A causa do sugarbloom é a condensação, por exemplo, retirando o chocolate do frigorífico, a humidade depositar-se-á. A água desta condensação dissolverá o açúcar do chocolate. Quando a água se evaporar depois, o açúcar manter-se-á à superfície em forma de cristais grossos e irregulares. Este fenómeno dará ao chocolate um aspecto desagradável. Pode-se evitar-se o sugarbloom excluindo os choques de temperatura, causados por transferência de uma zona fria para uma zona quente (por conseguinte, evitando a condensação). É necessário armazenar os produtos que passam de uma zona fria para uma mais quente durante um certo tempo antes de abrir a embalagem. Assim se exclui a condensação directa.
É pois, de importância extrema conservar estes produtos em circunstâncias ideais, a fim de poder manter o mais possível as características originais e de evitar a deterioração ou quaisquer características indesejadas. Para que tal aconteça é necessário ter em conta os seguintes factores:
1. Tempo: para os produtos de chocolate, aplica-se a seguinte regra: quanto mais curto o período de conservação, melhor será a qualidade do produto. Duração normal do chocolate: Branco-12 meses; Leite-18 meses; Negro-24 meses
2. Temperatura: a temperatura ideal de conservação do chocolate é de 12ºC a 20ºC. A temperatura mais elevada, o chocolate torna-se mais doce e menos brilhante. Correm-se menos riscos com temperaturas de conservação mais baixas. Se os produtos forem novamente postos à temperatura ambiente.
Deverá ser eliminada toda a condensação, porque toda a humidade provoca o branqueamento do açúcar. Desaconselham-se igualmente as variações de temperatura, dado poderem precipitar o aparecimento do branqueamento de matérias gordas
3. Local: o chocolate é muito recetivo à absorção de cheiros estranhos. Deve, pois, ser conservado em locais sem odores. É indispensável que o armazém seja bem arejado. O chocolate nunca pode ser armazenado entre ou junto de produtos com cheiros fortes (queijo, peixe, carne, limões, etc.). A embalagem dos produtos deve ser neutra, o que significa que não deve exalar cheiros estranhos.
4. O ar e a luz: sob a influência do ar e da luz, a gordura presente no chocolate desintegra-se, o que provoca uma alteração importante do gosto e do aparecimento de um cheiro desagradável. É o fenómeno da oxidação. É pois, importante, proteger o mais possível o chocolate do ar e da luz (luz artificial também). É necessário acondicionar o chocolate em embalagens fechadas. O chocolate branco é mais sensível à oxidação pelo que, deve ter melhor proteção; 5. Humidade: o chocolate deve ser protegido contra a humidade. Ao empilhar produtos de chocolate diretamente no chão ou contra as paredes, o risco de humidade aumenta
6. Pragas: o chocolate é um estimulante. Infelizmente não o é só para o Homem. O aroma de chocolate pode atrair toda espécie de insetos e roedores. É preciso ter cuidados especiais com esta situação.